terça-feira, 10 de junho de 2014

Na minha casa vai ter Copa.


Ando desgostando das redes na internet. Adorando as penduradas nas paredes. Principalmente as sociais.
Ando desgostando dos idiotas da Pizzaria Guanabara. Sentindo muito a falta do Vilar, do Chico e do meu sempre companheiro de copo, Fernando Faraco.
Ando fraco pra tanta força de quem só quer melar o jogo. Gente que, por desconhecimento da história ou falta de capacidade de gerar novidade, investe no caos.
Ando sem saco para grevistas oportunistas gritando “não vai ter Copa”. Sem saco para estudantes da PUC, credenciados do Bradesco Saúde, reivindicando “padrão Fifa” nos serviços públicos da Zona Sul. E gritando “não vai ter Copa”.
Ando sem saco para empresários covardes, caras-de-pau que agora jogam no colo do velho parceiro, o estado, suas irresponsabilidades de históricas negociatas. E atiram a economia à estagnação, sussurrando “segura porque vai dar merda, não vai ter Copa”.
Não dá mais pra sentar com editorialistas de muro e poste, caídos pra cima nos segundos cadernos de jornais e TVs, só para estampar a promoção do cagaço: “desse jeito é melhor não ter Copa”.
Estou fora da mesa 65, agora ocupada pelos que rezam nas cartilhas simplistas da obviedade. Porta-vozes da elite de bermuda, chapéu panamá e charuto, inflando de cubanas baforadas a bolha imobiliária do Leblon e apostando, da calçada, no fracasso econômico e social do Brasil Sede.
Vou a Madureira comprar cetim verde e amarelo, bandeirinhas de pano e de papel, buzinas de ar e foguetes, panelas baratas e muita colher de pau pra bater. Porque, como o Brasil, tenho muitas dívidas e dúvidas. Mas tenho uma certeza quitada: na minha casa, doa a quem doer, vai ter Copa.

Dica aos candidatos.



Na última sexta-feira, estava na minha mesa no Esch Café, quando um jovem casal sentou na mesa ao lado. O menino, meio escovadinho demais. A menina, apesar da aparente timidez, mais esvoaçante. Fiquei sozinho tempo suficiente pra acompanhar o ritual de acasalamento. Depois de algumas taças de uma bebida colorida pra ela, um coquetel estranho seguido de uma dose de uísque pra ele, os rostos se aproximaram. Uma das mãos dela no canto da face, na beira da boca. Uma das mãos dele, muito pouco ousado, no ombro dela. Um olhar trêmulo e tá lá: o primeiro beijo da história do casal. Uma cena comum para qualquer espectador. Para os dois protagonistas, um momento biográfico. Pra mim a alegria de testemunhar um momento de amor. Ou do prelúdio de uma trepada. Mas um momento de arrepio, taquicardia e descompasso na respiração.
Assim é a emoção. Uma sensação com poder incomensurável. Poder que a liderança de greves e manifestações mascaradas ou personalizadas despreza. Esculhamba o cotidiano de quem vive honestamente. E banaliza um dos mais sérios instrumentos de reivindicação.
Ainda bem que a partir de quinta-feira, até 13 de julho, o poder da emoção vai tomar conta do país. E como as lentes da imprensa, o brasileiro só vai estender olhares aos jogadores da seleção. Futuros heróis ou não. Mas que ao cantar o hino, enfileirados na arena de Itaquera, vão fazer 200 milhões de pessoas esquecerem as filas e os atrasos por greves. Esquecerem as fugas de quebradeiras, bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral. Esquecerem os prejuízos pessoais causados pelos movimentos covardes dos últimos tempos. E vão apenas sorrir e chorar, por fora e por dentro. Como o menino e a menina depois do primeiro beijo. Como uma nação sempre emocionada, ao libertar um grito de gol.

domingo, 12 de janeiro de 2014

ESCREVER PRA FAZER ACONTECER



Hoje, deixo a mesa 65 na calçada da Pizzaria Guanabara. Deixo o papo inofensivo sobre paixões, angústias e solidão dos boêmios do Leblon. Deixo as amenidades de segundo caderno na tentativa de colocar em prática uma lição que aprendi há mais de três décadas.
Em 1980, aos 18 anos, publiquei meu primeiro livro. Um único e longo poema com o título “O Ardente Naufrágio de Minas”. Cheio de coragem, enviei um exemplar à uma das mais respeitadas críticas literárias do país na época, Laís Correa de Araújo, que tinha uma coluna aos domingos no jornal O Estado de Minas. Nunca me esqueci a conclusão da crítica: “O livro não é ruim, mas não faz acontecer nada”.
Lembrando do aprendizado, tenho o dever de reconhecer que há muito mais entre a mesa do bar e as ruas da cidade do que supõe nossa bêbada filosofia.
Vivi, ao lado de Wanderlei Gomes, Rômulo Mello, Otavio Previdi  e outros companheiros, a experiência de morar e trabalhar perto da morte. Era Angola, 1995. Os assassinatos com total impunidade eram justificados pela guerra civil.
Agora é Brasil, 2014. Criança é assassinada e atirada num rio. Outra é espancada até a morte e o corpo abandonado no fundo do quintal. Menina é banhada em gasolina e incendiada dentro de um ônibus. Grupo de adolescentes é atropelado por motorista bêbada. Jovem é atirada das alturas de sua própria casa por ex-namorado ciumento. Exemplos recentes dos mais de 50 mil assassinatos por ano registrados no Brasil dos últimos tempos. E como não há guerra declarada, a impunidade vem em fugas facilitadas, em álibis forjados, fianças baratas, ou em muitos buracos na lei.
Enquanto isso, advogados dão Control C Control V em Habeas Corpus para bandidos de todos os níveis. Juízes devolvem assassinos às ruas com as chaves dos equívocos de um código penal obsoleto.
E a imprensa, a última das esperanças, dá prioridade aos preparativos para a Copa do Mundo, ao verão escaldante no Rio, ao inverno congelante no hemisfério norte ou à prisão de mais um parlamentar corrupto. Esquecendo em dados estatísticos os mais de 50 mil brasileiros assassinados por ano. Cobrando do poder público mais faturas de anúncios e comerciais do que atitude. Orientando redações para escrever como quem na juventude escreveu um livro. E não aprendeu que não fez acontecer nada.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

BEM-VINDO, DELICIOSO DESASSOSSEGO.


Pronto, acabou. Resta restos de rosas, de palmas, de velas, vidros de perfume vagabundo, de espumante barata e um certo gosto de pólvora no mar de Copacabana.

Resta o beijo que não passou do lábio. Restam promessas que nunca serão cumpridas. Resta a foto frente estrelas tão efêmeras quanto o artificial carinho posado.

Mas acabou. No Leblon, minha mesa 65 vai voltar ao desassossego natural. Por isso, bem-vindo de volta Serginho, conte de novo com a água e o chope pra te destravar. Bem-vindo, João Moura, sempre lírico ou combatente por insustentável paixão. Bem-vinda, Vanessa Machado e seus convites para as baladas de terça-feira. Bem-vindo, Nelson Freitas e sua agitada e bem humorada retórica. Bem-vindo, Caíque, autor de tudo o que as mulheres não sabem – muito menos eu – de nós, homens. Bem-vindo, Antônio Pedro, que uma única vez aportou na 65, depois de compartilharmos, lado a lado, tanto silêncio no balcão do Esch, enquanto eu sonhava com o “Bar Esperança”. Bem-vinda, minha irmã Ana Luísa com seus olhos sempre embotados de alegria. Bem-vindo, Totonho Villeroy, com sua nova, pequenininha e linda Luísa. Bem-vinda, Bel Lobo, a melhor obra já consolidada do maestro Edu. Bem-vinda, Vanessa Vidigal, poeta do olhar e da policromia corporal. Bem-vinda, Crica Kloske e todos seus inevitáveis problemas precipitados nas azeitonas. Bem-vindo, Roberto Cibella, homem de pouca prosa e muita luz nas retinas. Bem-vindos, Giancarlo e Melissa. Bem-vindos, Ricardo Machado e Ana. Bem-vindo, meu parceiro de velho continente Rubens Portela. Bem-vindos, Marcelo e Teresa. Bem-vindo, raro Antônio Parente. Bem-vindos, Alceu, Moraes, Ceceu. Bem-vindo, Marcinho, amigo que digere em palitos as nossas desesperanças. Bem-vindo, meu amigo pioneiro e por muitas noites derradeiro companheiro na 65, Fernando Faraco. Bem-vindos, Ivo e Fátima. Bem-vindo, Chico Recarey, com sua indefectível e perfumada ironia, senhorio da 65 e de todas as deliciosas maluquices da Guanabara.

Tomara que todos vocês continuem fazendo suas escalas, ainda que rápidas, no meu quintal de um metro quadrado.

E claro, não poderia deixar de reafirmar as permanentes boas vindas a um amigo, um cara que sem ele nada disso existiria, ou no mínimo não faria sentido. Bem-vindo, Antônio Villar Recarey.

Eu, às vezes com Cristina, às vezes sozinho vou continuar ali. Torcendo para que o ano novo seja tão especial quanto as melhores noites que passamos naquela calçada. Mesmo compreendendo que inconvenientes roncos de motocicleta sejam por decepcionantes audiências de televisão.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

MEDO DO ESCURO


Eu, como muitos da minha geração, esperei presentes de Natal que nunca chegaram. Autorama, Monareta, Calói 10 Marchas. As meninas sonhavam com bonecas que falavam, cantavam e até faziam xixi. Brinquedos caros, numa época de quase monopólio da Estrela, da Trol e dos dois fabricantes de bicicleta no Brasil, a Monark e a Calói.

Desde pequeno, tenho uma obsessão pelo que produz luz. Tive dezenas de lanternas. As melhores foram duas Eveready, destruídas quando cismei de ter o primeiro carrinho de rolimã com faróis.

Lampião a querosene e a gás, lanterninha magnética com um lado fluorescente e outro vermelho que piscavam alternadamente. Tive todas as armas de combate às trevas.

Se na infância gostava dessas fontes de luz, depois de adulto desenvolvi uma preferência por muita luz. Mas muita mesmo, tipo supermercado. Gosto da Europa, onde morei por oito anos. Mas sentia uma falta enorme das lâmpadas de mercúrio nas ruas. Aquela iluminação meio amarelada sempre me incomodou, embora eu tenha o maior respeito pela economia de energia.

Meu TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo, me criou alguns constrangimentos com mulheres adeptas da meia luz. Para elas, trazia na ponta da língua a justificativa: “seu corpo é tão bonito, deixa a luz acesa, vai”. Se a beleza existia ou não são outros 500 watts. O importante era evitar a penumbra.

Não sei porque nunca tratei disso na psicanálise. Afinal, a fixação pode ser facilmente confundida com medo do escuro, o que não ficaria muito bem para alguém com mais de 50 anos. E hoje, mais perto de gente maluca do que do divã, conheci na minha mesa da Guanabara um profissional que nunca imaginei que pudesse existir. Um Vendedor de Luzes. Um cara que anda pela madrugada do Leblon vendendo lanternas, lâmpadas com controle remoto, abajures giratórios que colorem o ambiente, anéis luminosos para guidão de bicicleta e outras traquitanas de Led. Fiquei tão ligado a esse cara que ele me concedeu uma conta corrente. Se tem perspectiva de novidade, pago adiantado e espero a entrega. Se traz um lançamento e estou sem dinheiro, pego e pago depois.

Foi assim que semana passada descobri com o Vendedor de Luzes, outra mania que desconhecia. Meu fornecedor de claridade colocou sobre a minha mesa um radinho de pilha. Imediatamente me encantei com a delicadeza do aparelho. E lembrei do meu ex-sogro, Plácido, pai de Sandra Freitas, que num dia de dezembro, me pediu carinhosamente para ser diferente com seu presente de Natal. Só aí percebi que nos sete Natais anteriores eu o tinha presenteado com rádios de pilha.

Comprei o radinho e estou apaixonado por ele, como se fosse o Autorama ou a bicicleta, presentes que nunca pousaram na árvore colorida.

Feliz como uma criança na manhã de Natal, ligo discretamente o meu radinho na mesa 65 da Guanabara. E finjo que não vejo tanta gente que fica ali até o amanhecer, só porque tem medo do escuro.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

FILHOS MERECEM E DEVEM SUPERAR SEUS PAIS.


Há alguns anos tenho minha mesa na calçada da Pizzaria Guanabara, no Leblon. Quase sempre estou só. Mas por essa mesa com menos de um metro de diâmetro, passam velhos e novos amigos. Mulheres apaixonantes, outras batedoras de carteira. Compositores, atores, atrizes. Empresários, políticos, diretores e executivos de emissoras de televisão. Escritores, humoristas, cineastas, artistas plásticos. Sem esquecer a assiduidade luxuosa de Ricardo Machado e Ana, Jean e Melissa Canero, Fernando Faraco, Crica Kloske, minha irmã Ana Luiza Sampaio, a policromática Wanessa Vidigal e a sempre Maria Cristina Santos. Uma agradável novidade no meu pequeno círculo de madeira é um novo e simpático amigo, filho de reconhecida celebridade da MPB, que me sensibilizou por sua discreta dor de não poder superar o pai. Não porque seu talento seja inferior. Ao contrário, suspeito que é superior. Mas ele não expõe sua arte, por uma estranha mistura de medo e respeito à estrela que o gerou. Observei que o mal é mais recorrente do que se imagina, quando há dois dias um cara mais velho, filho de um médico de reconhecimento internacional, pousou por acaso na minha pequena roda de madeira. Passamos umas três horas conversando. A conclusão dele: “papai é o máximo e eu sou um bosta”. Não sei o quanto contribui para aliviar ou alimentar o sofrimento do novo amigo. Mas aprendi que, se a capacidade de ser artista ou especial em alguma atividade profissional já é por natureza sofrida por todas ameaças a que estão sujeitas, quando refém da equivocada raiz genética o desconforto beira o insuportável. Chega à desistência do ofício ou a fatalidades piores. Por que muitos filhos tem pavor em superar os pais? Por que muitos pais se sentem ameaçados pelo talento dos filhos? Mistérios da vaidade paternal. Não sei se este foi o meu caso enquanto pai. Na dúvida, exalto a indiscutível capacidade de Maíra de Souza e a de Otávio Rangel, meus dois filhos brilhantes nas suas atividades. Se tive ou tenho, ainda que inconsciente e nem por isso menos estúpida, a covardia dessa vaidade, a destruo aqui e coloco meu texto a disposição prioritária para revelar meu orgulho de ter gerado dois filhos muito mais talentosos do que eu.